À Conversa com... Christina Dalcher
Entrevista
Olá a todos!! :)
Os últimos dias não estiveram totalmente preenchidos por aqui... Mas sabem que há sempre um motivo! E a verdade é que estive a preparar esta publicação, pela qual sou incapaz de não nutrir um carinho especial...
Há umas quantas semanas atrás, tive oportunidade de conversar com a incrível autora de "Vox" (leiam a opinião, se ainda não o fizeram!!), e agora consegui trazer-vos a tão desejada entrevista! Só não consegui incluir tudo porque foram muiiitos os temas interessantes que marcaram o rumo da nossa conversa. Seja como for, devo dizer-vos que foi um diálogo aceso, que articulou reflexões literárias e outras sobre a vida real. Como sabem, os bons livros levam-nos a abrir os olhos para o mundo à nossa volta...
Preparados?? :)
I - Christina Dalcher
1. Quando visitamos o seu website e acabamos a ler a sua biografia, deparamo-nos imediatamente com a seguinte descrição: "Sou escritora, leitora, e viciada em falsh fiction". Porquê flash fiction?
Oh... Por tantas razões... Existe um conjunto de condições que separam um romance de uma peça de flash fiction. A começar por a segunda quase sempre ter abaixo de 1000 palavras. Eu escrevo histórias que são ainda menores do que essa. E algo que tu procuras enquanto escritor é explorar vários espaços e estilos, e pontos de vista... e temas, o que é difícil quando passas meses e meses a trabalhar num livro. Flash-fiction dá ao autor uma enorme liberdade para experimentar.
Outro incentivo é a possibilidade de o escrevermos em meia hora, o que nos dá aquela sensação de satisfação instantânea. Okay... Eu trabalhei por meia hora e agora eu tenho uma história! E é algo publicável, após alguma edição. Com um romance, a coisa já não é assim: mesmo que escrevas rápido, precisas de encontrar um agente literário e passar por um processo de publicação que demora um, dois anos.
2. Que géneros literários mais gosta de ler?
Bem... Thrillers, policiais, um pouco noir... Adoro Stephen King; é exatamente o estilo de terror de que gosto: não se baseia em monstros assustadores, mas no psicológico. E consegue chegar às coisas que mais tememos, fazendo-nos pensar acerca delas.
II - "Vox" (claro!! :) )
3. O que procurava alcançar ao escrever "Vox"?
Eu tinha dois objetivos, que surgiram juntos. Sabia que queria escrever um thriller, um thriller com elementos linguísticos. O que "Vox" pretende fazer é levar os leitores a pensarem sobre voz. E de duas formas diferentes. Uma é a mais literal, e relaciona-se com as nuances linguísticas do livro, as quais me dizem muito enquanto linguista (especialmente quando o ensino da língua é tão desvalorizado e ao mesmo tempo tão central para o ser humano que acabamos por tomá-la por garantida, só porque a aprendemos tão facilmente nos primeiros anos de vida). Mas agora, falemos sobre a outra voz. Vamos falar sobre o nosso direito ao voto, ou o direito a sermos ouvidos, ou a mudarmos o mundo quando vemos algum tipo de injustiça. Algo que também tomamos por garantido! Infelizmente, não lhe reconhecemos o devido valor até o perdermos! E nós sabemos que isso acontece em diversos lugares no mundo...
Foi por isso que, em "Vox", tentei perguntar como seria se regredíssemos para um mundo onde novamente os homens trabalhassem numa esfera pública e as mulheres no meio doméstico. Para uma cultura que privasse as mulheres de todos estes direitos.
4. Existem muitas semelhanças entre si e a protagonista de "Vox"? Para além de ambas gostarem de italiano e serem investigadoras (mesmo que em áreas distintas)...
Sempre que escreves uma personagem, não é uma máquina a escrever. É um ser humano. Por isso, é inevitável que ela seja parte do autor. Ainda assim, acho que as semelhanças entre nós são muito superficiais, como a idade. E isso, claro, deve-se ao facto de ser mais simples escrever como alguém da minha idade do que como um rapaz de 10 anos, por exemplo. :)
Ena, nunca me tinham perguntado isso! Ganhaste o grande prémio! Ahahah
Acho que tudo começou quando eu escrevia flash-fiction. Percebi a importância do ritmo. Mais do que unir palavras, a escrita tornava-se mais... poética. É algo inconsciente. Mas provavelmente o facto de ter estudado linguística, particularmente as pausas naturais, o peso que colocas nos vários tipos de palavras, tenha influenciado esta perceção.
Muitas vezes, abrimos um livro, lemos um diálogo e pensamos... "Oh, ninguém fala assim!", certo? Parece muito... plano. Nada natural. E, realmente, ter estudado a teoria e a estrutura da língua auxilia, não só a escrever uma narrativa, mas também a escrever um diálogo de forma natural.
6. Como foi entender o impacto de "Vox"? A Christina já tinha publicado short stories em revistas à volta do mundo, vencido vários concursos, mas isto...
É bem difícil de acreditar, na verdade. Quando escreves uma peça de flash fiction, cerca de 100 pessoas a leem, se tanto. Mas "Vox" foi algo grande, vendeu direitos em 23 países, o que é simplesmente louco! E um dos motivos é a relação com a situação política dos EUA, apesar de a mensagem ser mais universal, com elementos de política e feminismo. É por isso que é interessante para mim falar com leitores de todo o mundo e ouvi-los dizer coisas muito díspares, porque cada um lê o livro com a sua própria cultura, com o seu próprio background, com o conhecimento da sua História, mas, ainda assim, existem questões transversais.
7. Alteraria algo em "Vox", depois de tudo o que ouviu?
Sim! Sim, sim! Eu alteraria! Provavelmente, um par de coisas. Mas uma em particular... Como sabes, em "Vox" parece que estamos no presente. E isso significa que parece que o presidente é Donald Trump. E, por vários motivos, isso não foi boa ideia. Portanto, eu gostaria de mudar o período em que "Vox" se passa.
III - Realidade
8. De que forma podem os cidadãos passivos colocar a nossa sociedade em risco?
Há uma citação que usei em "Vox" que diz "a única coisa necessária para que o mal triunfe é os homens bons não fazerem nada" (Edmund Burke). Esta é uma citação antiga, não propriamente algo que eu escrevi ontem. E a realidade é que, enquanto alguns falam muito alto, muitos outros se limitam a sentar-se e ver...
Olha o exemplo do Brexit, olha para esta confusão! Não interessa aqui se o Reino Unido deveria sair ou não da UE. A questão é que muitos cidadãos britânicos gritavam "Não queremos o Brexit! Não queremos o Brexit!", mas adivinha? O referendo terminou em 49%-51% (talvez 48%-52%)... Nem todas aquelas pessoas votaram. E todos estes problemas estão a acontecer porque algumas pessoas disseram "Eh, eu não quero realmente saber, eu não vou votar".
E o pior é que são os extremistas que falam alto e os restantes ficam calados, deixando-os avançar.
9. Na sua opinião, o que impede o domínio masculino de ser definitivamente erradicado do nosso mundo? Mesmo nas sociedades ocidentais.
Sabes o quão complicado é transformar algo como uma tradição? Mesmo quando se trata de uma tradição mais trivial, é muito difícil de mudar. E esta distinção entre homens e mulheres esteve ativa durante tanto tempo... Existe uma grande influência das religiões abraâmicas, e todos sabemos como as religiões podem ser - muitas pessoas permitem às religiões ditarem o que pensam e como agem. A distinção entre as mulheres está baseada num sistema de crenças que leva a que a separação entre modelos de géneros persista.
Contudo, é importante dizer que as coisas estão a mudar. E que têm vindo a mudar ao longo de um bom tempo. Quando a minha mãe era criança, as mulheres não conheciam as possibilidades de escolha que têm hoje. Não é preciso ir muito longe para encontrarmos realidades nos EUA em que a contraceção era proibida, em que as mulheres não podiam ser pilotos nem pertencer às Forças Armadas. A Universidade em que leciono não aceita mulheres há muito tempo.
Por isso, quando nos questionamos sobre o que as mulheres ainda não têm, devemos igualmente pensar no quanto as mulheres já conseguiram conquistar em comparação com outros tempos. Estamos a evoluir.
IV - Futuro
10. Podemos esperar mais livros seus?
Sim! Realmente, estou a trabalhar na edição do meu segundo livro, cujo lançamento está planeado para abril de 2020. Não é uma continuação de "Vox", é uma história diferente com personagens distintos.
Gostava, contudo, de escrever pelo menos mais um livro que seguisse "Vox" e que o levasse mais longe. Ainda há pouco falámos sobre extremismos, e era interessante explorar o que acontece quando um grupo extremista chega ao poder, o que nos ensina que, quando existe uma ação extrema, podemos contar com uma reação igualmente extrema. E eu queria investigar o quão perigoso é ser extremo.
11. Qual é a melhor versão de si como escritora que consegue imaginar para o futuro?
Bem, se me tivessem feito essa pergunta há vinte anos atrás, teria ficado muito feliz! :P
Este é o inconveniente de começar a escrever ficção mais tarde... Mas realmente não sei onde a escrita me levará no futuro. Como disse, adoro ler e escrever thrillers, por isso é algo que estarei certamente a fazer! Por outro lado, talvez venha a experimentar algo mais literário e menos comercial... Ou talvez continue mesmo nos livros comerciais!
Bem... A escrever, de certeza! :)
Esperemos que Christina Dalcher continue realmente a escrever livros para nós... E a continuar próxima de nós! A nossa conversa foi mesmo tranquila e intelectualmente rica! Falámos sobre diversas questões políticas, sociais e ideológicas. Sobre livros, sobre escrita... Até sobre o fantástico primeiro prémio que a autora recebeu em janeiro deste ano por uma peça de flash-fiction com menos de 300 palavras!
Mas, acima de tudo, falámos sobre como é importante não nos deixarmos apagar.
Como é crucial não sermos passivos.
Como precisamos de usar a nossa voz.
Boas leituras!! ;)
(As fotografias de Christina Dalcher que aparecem nesta publicação foram tiradas por Laurens Arenas)
Ah, e já sou agente da CHERUB, vejam só! :P
Boas leituras!! ;)
Unboxings, updates de leitura e uma data de loucuras aleatórias! Não me digas que tens perdido...
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